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É Desporto

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16 de Fevereiro, 2017

Roger Milla. Uma história tão velha quanto ele

Rui Pedro Silva

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Camaronês despediu-se da carreira internacional em 1988 com quase cem mil pessoas nas bancadas, mas um telefonema do presidente mudou tudo em 1990. Fez história em Itália e novamente nos Estados Unidos, em 1994, com o nome “Miller” nas costas. 

 

Em nome da mãe

 

A carreira internacional acabou em 1988. Roger Milla tinha 36 anos, acabara de vencer a Taça Africana das Nações pela segunda vez e ia ter um filho. Mas, de acordo com o jornalista Paul Gardner da Sports Illustrated, houve outro motivo: «Deixou a seleção porque a federação não foi capaz de cuidar da mãe, que estava doente, durante uma digressão da equipa à Arábia Saudita.»

 

O balanço tinha tudo para ser positivo. Internacional pela primeira vez em 1973, num jogo de qualificação para o Mundial contra o futuro apurado Zaire, Roger Milla disputara um Mundial (1982), vencera um troféu continental (Taça dos Vencedores das Taças de África em 1975) e representara cinco equipas em França, vencendo a Taça com o Monaco em 1980 e com o Bastia em 1981.

 

A nível individual, não faltaram prémios. Foi o melhor jogador de África em 1976 na Taça das Nações Africanas foi o melhor jogador em 1986 e o melhor marcador nas edições de 1986 e 1988.

 

Nos dois jogos de despedida, em Yaoundé e Douala, conseguiu juntar praticamente 100 mil pessoas que fizeram questão de marcar o adeus em festa. Teria sido uma carreira positiva, longe de estar ao alcance da maior parte dos futebolistas africanos. Mas, ainda assim, dificilmente não estaria condenado ao anonimato se não tivesse regressado dois anos depois, em 1990, para o Mundial de Itália.

 

O ressurgimento tardio

 

O Mundial-1990 foi apenas a segunda fase final em que os Camarões estiveram presentes. Presente em Espanha-1982, Roger Milla não fazia parte do horizonte do selecionador soviético Vladimir Nepomniachi e por isso mesmo ficou fora dos convocados.

 

Ou assim se pensava. Por aquela altura, o veterano avançado camaronês era jogador-treinador na liga amadora de Reunião, uma ilha francesa perto de Madagáscar. Mas o telefone tocou e foi incapaz de dizer não.

 

O presidente dos Camarões, Paul Biya, estava do outro lado da linha. Em cima da hora, falou com o futebolista e garantiu a sua presença em Itália. De outra forma, este gesto poderia ter ficado como uma clara ingerência nas tarefas do selecionador.

 

Também o foi, mas a versão que ficou na história foi outra: Roger Milla tornou-se uma das estrelas do Mundial-1990. O camaronês nunca foi titular. Nos cinco jogos dos Leões Indomáveis em Itália, entrou aos 81, 58, 34, 54 e 46 minutos. Mas fez a diferença: marcou quatro golos (dois contra a Roménia e dois contra a Colômbia) e teve um papel relevante nos dois marcados contra a Inglaterra, nos quartos de final.

 

Uma estrela no Mundial

Numa era em que a internet como a conhecemos não passava de um sonho distante, Roger Milla tornou-se viral. Os golos eram celebrados com uma dança única em frente à bandeirola de canto e a energia que transmitia a cada lance, dentro de campo, ou palavra, fora dele, era contagiante.

 

Nos oitavos de final, contra a Colômbia, teve um duelo aceso contra outra estrela: o exuberante René Higuita. Já no prolongamento, o guarda-redes tentou fintá-lo mas perdeu a bola e abriu caminho para o golo.

 

«Ele tentou fintar-me. Ninguém finta o Milla», comentou depois, em mais um momento de boa disposição e confiança. Nepomniachi estava rendido: «Acredito que ele tem um computador na cabeça que lhe permite saber o que fazer em qualquer situação. Não lhe damos tarefas específicas. Pedimos-lhe apenas que jogue de acordo com o Roger Milla.»

 

Num Mundial marcado por fraco futebol e poucos golos, Roger Milla e os Leões Indomáveis deram outra cor e ajudaram a oferecer um brilho próprio ao anúncio de que o continente africano teria direito a mais vagas a partir da fase final de 1994.

 

A marca deixada por Roger Milla foi tão grande que ajudou a escrever mais um capítulo histórico: 16 anos depois da primeira vez, o camaronês voltaria a ser eleito o jogador africano do ano, estabelecendo um recorde de intervalo que ainda hoje dura.

 

A última pegada

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Roger Milla tinha 38 anos no Mundial de Itália. Já era dos mais velhos. Já tinha estabelecido vários recordes. Mas se o fez com 38, por que não haveria de fazer com 42?

 

Nos Estados Unidos, num grupo com Brasil, Suécia e Rússia, os Camarões voltaram a ter Roger Milla entre os 22 convocados de Henri Michel. O choque era brutal: Rigobert Song, adolescente a dar os primeiros passos, era 17 anos mais novo.

 

Mas isso pouco interessava: Roger Milla era um ícone, internacional ainda antes de Song nascer, e tinha estado em todos os grandes momentos dos Camarões nas últimas décadas. O Mundial dos Estados Unidos não foi exceção.

 

Ao contrário do que aconteceu em Itália, Milla não foi uma arma secreta. Michel não esperava que fizesse a diferença dentro de campo, quando entrava fresco, mas fora dele, mantendo o grupo unido e motivado através da experiência. Na estreia, com a Suécia, não jogou. Na derrota com o Brasil, no segundo jogo, entrou aos 64 minutos, imediatamente a seguir à expulsão de… Rigobert Song.

 

A história estava reservada para o terceiro jogo. Quando entrou ao intervalo, a substituir Mfédé, já o russo Oleg Salenko tinha marcado três golos – ia a caminho dos cinco. A bola até saiu da Rússia mas Roger, que jogou com a inscrição “Miller” nas costas só precisou de 84 segundos para bater Cherchesov e estabelecer mais um recorde que parece inalcançável - o de mais velho marcador na fase final de um Mundial.

 

A 4 de dezembro de 1994, contra a África do Sul, o adeus de Roger Milla foi definitivo, 21 anos e 303 dias depois da estreia contra o Zaire. Foi a 13.ª carreira internacional mais longa, entre o primeiro e o último jogo pelo seu país.

 

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