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É Desporto

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23 de Janeiro, 2020

Ray Ewry. Da cadeira de rodas para a glória olímpica

Especial Jogos Olímpicos (St. Louis-1904)

Rui Pedro Silva

Ray Ewry

Brilhou em Paris-1900 e em Londres-1908 mas foi a saltar em casa, em St. Louis-1904, que conseguiu a participação mais gloriosa da carreira olímpica: três dos oito títulos foram conquistados na edição dos Estados Unidos, a competir perante o seu público. Nas provas de saltos sem balanço, Ewry não teve oposição e fez esquecer o passado vivido numa cadeira de rodas com receios da família de se tornar paralítico.

Os Jogos Olímpicos são um autêntico viveiro. Dos melhores atletas do mundo, das mais impressionantes manifestações de desportivismo e também das narrativas mais tocantes e curiosas. É assim hoje em dia, com refugiados que fogem de países em ruínas, e já o era assim no início do século XX.

A história de Ray Ewry não é apenas a de um homem que venceu a medalha de ouro sempre que subiu ao pódio. Não é apenas a de um norte-americano com oito título olímpicos do currículo e com lugar reservado na história do desporto. É, talvez sobretudo, a história de uma criança que superou uma infância sombria, ultrapassou os receios de invalidez e saltou para uma vida gloriosa. Literalmente.

Nascido em 1873, no estado do Indiana, Ray foi diagnosticado com poliomielite em criança e viveu vários anos numa cadeira de rodas. A família julgou que podia vir a tornar-se paralítico mas a paixão pelo desporto, ganha através das inúmeras sessões de fisioterapia, revigorou-o e ajudou-o a transformá-lo num atleta de mão cheia.

Depois de uma passagem pelo futebol americano, apaixonou-se pelas provas de saltos. Mas não por uns saltos quaisquer: os que não permitiam balanço. Na estreia em Jogos Olímpicos, em Paris-1900, venceu o salto em comprimento, o triplo salto e o salto em altura. Quatro anos depois, o objetivo era defender a coroa com sucesso.

O salto em comprimento foi o primeiro desafio, a 29 de agosto. Com um salto de 3,47 metros, Ewry não teve dificuldade em estabelecer um novo recorde mundial – batendo o anterior por dois centímetros – e em deixar o segundo classificado a uns esmagadores vinte centímetros.

Dois dias depois foi a vez do salto em altura. Sem balanço – nunca é demais realçar isto -, Ewry conseguiu ultrapassar a fasquia colocada a 160 centímetros. Foi insuficiente para bater o recorde do mundo e olímpico de 165 fixado em Paris, mas chegou para ter uma vantagem de 16 centímetros sobre o segundo classificado.

Finalmente, a 3 de setembro, chegou a vez da prova do triplo salto. Com apenas quatro participantes, todos norte-americanos, Ewry atingiu a marca dos 10,54 metros (mais 38 centímetros do que o segundo classificado) e terminou com êxito a defesa dos três títulos olímpicos.

A carreira de Ewry só terminou quatro anos depois, em Londres. Aí não teve a mesma sorte e perdeu a oportunidade de conquistar a medalha de ouro no triplo salto sem balanço. A prova tinha sido descontinuada e obrigou a que o norte-americano conquistasse apenas mais duas medalhas.

O palmarés de oito medalhas de ouro – todas elas em provas individuais – constituiu um recorde durante mais de 100 anos: 100 anos e 23 dias para ser preciso. Foi em Pequim-2008 que Michael Phelps fez história e equilibrou a balança. Hoje, ainda assim, Ewry continua a ser o segundo atleta com mais ouros individuais na carreira olímpica.

E tudo começou numa cadeira de rodas. Não há impossíveis.

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