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É Desporto

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18 de Novembro, 2019

Boavista. A chegada de Manuel José ao clube das camisolas esquisitas

Rui Pedro Silva

Manuel José com Valentim Loureiro

*Este texto é a primeira de cinco partes do especial: «Boavista-2001. O making of de um título»

Quando Manuel José trocou os tigres de Espinho pelas panteras do Bessa no verão de 1991, encontrou um Boavista que procurava afirmar-se em definitivo como uma das principais equipas do campeonato português. O algarvio não brilhara no segundo escalão (o Sp. Espinho não fora além de um lugar a meio da tabela) mas tinha um passado de renome: sabia o que era treinar um clube grande (Sporting em duas ocasiões) e conhecia os ingredientes necessários para elevar ainda mais a fasquia.

O Boavista não era uma tábua rasa. Os tempos áureos da década de 70, com a conquista de três Taças de Portugal, eram uma memória muito presente e os axadrezados até tinham experiências regulares nas competições europeias. Até à chegada de Manuel José, viajaram até à Europa do futebol em nove ocasiões e, pelo meio, eliminaram nomes como Atlético Madrid e Fiorentina. Por outro lado, havia um bloqueio psicológico claro: nas seis vezes que conseguiram ultrapassar uma ronda, caíram logo a seguir.

O desafio de Manuel José, impulsionado por um cada vez mais presente Valentim Loureiro, era claro: elevar a fasquia tanto a nível interno como europeu. Não sabia como, onde, nem porquê, mas havia talento, conhecimento e determinação para ultrapassar essa barreira na Europa e voltar a tentar uma surpresa nas provas nacionais.

O primeiro plantel que Manuel José teve à sua disposição no Boavista era uma mistura de experiência com juventude, de solidez com irreverência, de força e de técnica. Se Gabriel Alves falava da força da técnica contra a técnica da força, o treinador conseguia formar um onze tecnicamente forte e com uma força técnica de registo.

João Vieira Pinto tinha 19 anos, acabara de regressar de uma experiência para esquecer em Madrid mas era campeão do mundo de sub-20. Fernando Mendes e Samuel vieram da Luz, Ricky da Amadora, Tavares do FC Porto e o guarda-redes Pudar, orientado por Manuel José em Espinho, chegou para lutar com Alfredo, Hubart e um adolescente Costinha, acabado de sair da formação.

Os nomes não se ficavam por aqui. A defesa contava com a experiência de Paulo Sousa, Barny e Nogueira, o meio-campo juntava a força de Bobó e Casaca à consistência de Nelo (muito melhor jogador do que mostrou na Luz) e no ataque ainda havia Marlon Brandão, que também já passara pela tutela de Manuel José em Alvalade.

O quarto lugar da época anterior, num ano em João Alves e Raul Águas dividiram o comando técnico, abriu caminho para um Boavista europeu. E foi precisamente aí que este Boavista de Manuel José começou a dar nas vistas.

Quando o Inter viajou para o Bessa em setembro de 1991, o Boavista seguia com três vitórias em quatro jornadas no campeonato, incluindo um surpreendente triunfo na Luz logo a abrir (golo de Casaca). A equipa italiana tinha um plantel de sonho e com vários campeões do mundo (Bergomi, Brehme, Matthäus e Klinsmann).

Inter metia medo mas caiu com o Boavista

Na baliza, havia Walter Zenga, o veterano guarda-redes que cunhou a expressão que ficou para a história. No seguimento das habituais perguntas sobre o adversário, o italiano disse que não sabia nada sobre o Boavista. Ou melhor, sabia apenas que era o clube das camisolas esquisitas.

Nas semanas seguintes, aprendeu bastante mais. Sofreu dois golos no Bessa na derrota por 2-1 (Marlon e Barny; Fontolan) e viu o seu ataque ficar a zeros no Giuseppe Meazza. Assim, num abrir e fechar de olhos, o Boavista de Manuel José tornou-se Boavistão e fez cheque-mate ao então campeão em título da Taça UEFA. No espaço de um mês e meio, os axadrezados haviam eliminado o Inter, derrotado o Benfica no campeonato e seguiam na liderança do campeonato em igualdade pontual com o FC Porto.

O mote estava dado. As camisolas esquisitas na UEFA caíram na ronda seguinte, novamente contra italianos (Torino) e prolongando o destino de não ultrapassar rondas consecutivas mas, a nível interno, os bons resultados continuaram a aparecer.

Lutar pelo título era uma ambição que ninguém equacionava, mas os duelos contra os grandes mostravam cada vez mais que este Boavista podia ser um caso sério: terminou a primeira volta com cinco pontos nesse minicampeonato, fruto de vitórias com Benfica e Sporting e um empate com o FC Porto. A segunda volta trouxe novos bons resultados, com mais uma vitória sobre os encarnados (1-0), um empate em Alvalade (1-1) e, na única derrota contra os crónicos candidatos, um 0-2 nas Antas.

Festa do Boavista no Jamor

Os sinais dados no campeonato foram decisivos para a Taça de Portugal. Depois de eliminatórias tranquilas com Lusitânia Lourosa, União da Madeira, Freamunde e Gil Vicente, o Boavista garantiu um lugar na final do Jamor ao eliminar o Benfica… na Luz.

A 24 de maio de 1992, no último jogo da temporada, a aposta de Valentim Loureiro em Manuel José foi coroada com o erguer de um troféu: o primeiro dos dez anos seguintes. O FC Porto foi derrotado por 2-1 (Marlon Brandão e Ricky; Jaime Magalhães) e o Boavista mostrou que ia atacar a década com um novo espírito.

O terceiro lugar no campeonato – em igualdade pontual com o Sporting mas com vantagem no desempate, e a apenas dois pontos do Benfica – foi apenas mais um ingrediente da receita de sucesso deste novo Boavistão.

Ricky sagrou-se o melhor marcador do campeonato, com 30 dos 45 golos dos boavisteiros, e João Pinto afirmou-se definitivamente como um talento geracional. Depois de entrar na época como campeão do mundo de sub-20, foi cobiçado até à última pelos grandes de Lisboa e chegou a acordo com o Benfica.

Manuel José podia perder o seu maior talento mas de Lisboa acabaria por chegar a primeira peça do plantel que seria campeão em 2001: Rui Bento. Lentamente, o puzzle estava a ser montado.

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