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É Desporto

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09 de Agosto, 2017

A Supertaça Europeia que as Alemanhas não quiseram jogar

Rui Pedro Silva

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A prova ia para o terceiro ano e ainda não havia tradição. Bayern Munique e Magdeburgo representavam as Alemanhas separadas por um muro e foi conveniente não disputar o troféu a duas mãos. Mas, poucos meses depois, os caprichos do sorteio ditaram um duelo na Taça dos Campeões Europeus (na foto). 

 

Uma inconveniente conveniência

 

As Alemanhas estava separadas desde 1949 e o Muro de Berlim tinha começado a ser construído em 1961 e já tivera sido alvo de sucessivas remodelações para reforçar a separação entre o Este e o Oeste. A RFA e a RDA cresciam ao seu próprio ritmo e o ano de 1974 ficou marcado pelas grandes afirmações no campo desportivo.

 

Os Jogos Olímpicos da Cidade do México-1968 e Munique-1972 tinham sido, apesar de tudo, marcados pelo equilíbrio mas já se notava o ascendente da República Democrática da Alemanha. No futebol, no entanto, a batalha estava apenas a começar.

 

Bayern Munique e Magdeburgo são os dois protagonistas desta história. A Ocidente, os bávaros furaram a hegemonia do Ajax e conquistaram a primeira Taça dos Campeões Europeus para a Alemanha. Foi uma edição especial. Logo na segunda ronda, tiveram a oportunidade de defrontar o Dínamo Dresden, um rival de leste. A equipa de Gerd Müller, Uli Hoeness e companhia venceram 4-3 em Munique e mantiveram a vantagem em Dresden com um empate a três.

 

A Oriente, o Magdeburgo escreveu história ao derrotar o Milan (2-0) na final da Taça das Taças em Roterdão. Nas meias-finais, poderia ter havido um duelo germânico, mas o sorteio evitou, deixando o Borussia Mönchengladbach a defrontar os italianos, enquanto o Magdeburgo se cruzou com o Sporting, numa eliminatória que será recordada em Portugal pelo facto de ter sido decidida na Alemanha na véspera da Revolução de Abril.

 

E agora, o que fazer?

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A tradição – curta, uma vez que a primeira edição da competição tinha sido disputada em 1972 e ainda sem o reconhecimento da UEFA – apontava para um troféu disputado a duas mãos entre Bayern e Magdeburgo mas as duas equipas, escudadas pelos seus governos, entenderam que a altura talvez não fosse a melhor.

 

Vivia-se o rescaldo do Mundial-1974. A RFA tinha sido campeã mundial pela segunda vez na história mas a RDA tinha voltado para casa com uma importante vitória moral: no duelo entre Alemanhas, ainda na fase de grupos, o Leste levou a melhor e venceu por 1-0, graças a um golo de Sparwasser aos 74 minutos.

 

Na altura de combinar uma data para a realização da Supertaça, as reticências foram maiores do que as exclamações. Oficialmente, foi impossível encontrar uma data que agradasse às duas equipas (algo que voltou a acontecer em 1981 entre Liverpool e Dínamo Tbilisi). Oficiosamente, ninguém estava interessado que a tensão política fosse posta à prova com um troféu decidido a duas mãos entre as duas Alemanhas.

 

Caprichos do sorteio

 

Com a Supertaça Europeia deixada para trás, Bayern Munique e Magdeburgo arrancaram para a nova edição da Taça dos Campeões Europeus como campeões em título dos seus países. Curiosamente, os dois ficaram isentos na primeira ronda.

 

Mais curioso ainda foi o sorteio da segunda ronda ter determinado o confronto entre os vencedores da Taça dos Campeões Europeus e da Taça das Taças. De certa forma, a UEFA tinha proporcionado uma Supertaça Europeia à força, retirando qualquer margem de manobra dos clubes e poder político de evitar o duelo, alegando falta de calendário.

 

Os dois jogos obrigaram a um enorme dispositivo de segurança da Stasi, a polícia estatal da RDA. Na primeira mão, em Munique, foram analisados todos os pormenores para evitar provocações e eventuais deserções por parte dos adeptos que conseguiram o livre trânsito para assistir ao encontro.

 

Dentro de campo, tudo parecia perfeito para o Magdeburgo. Adiantou-se no marcador com um autogolo de Johnny Hansen logo no primeiro minuto e dilatou a vantagem pelo inevitável Sparwasser em cima do intervalo. O pior veio na segunda parte, com um penálti convertido por Gerd Müller aos 51 minutos a dar o impulso necessário para a reviravolta (3-2).

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Um filme de espiões

 

A segunda mão jogou-se a 6 de novembro de 1974. Os cuidados da Stasi foram redobrados. Era preciso controlar todas as ações da comitiva do Bayern em território oriental e dezenas de polícias disfarçados empregaram-se convenientemente no hotel em que a equipa ficou hospedada.

 

A estratégia era comum na era dos espiões, fosse na RDA, na União Soviética ou mesmo no mundo ocidental. De acordo com os dados da Stasi entretanto divulgados, a operação “Vorstoss II” (Confiança II) foi liderada por um dos homens de confiança do diretor da Stasi.

 

O objetivo era garantir que nada fugia ao guião. As ações eram controladas minuciosamente para garantir que ninguém aproveitava o jogo de futebol para ganhar uma vantagem política através de contactos indesejados. No balanço do relatório, é referido a quantidade de autógrafos que cada jogador deu, num conjunto de linhas sem grande sumo político.

 

Dentro de campo, onde interessava, o Magdeburgo não conseguiu operar a tão desejada reviravolta. A história do jogo até foi semelhante: a equipa visitante chegou a uma vantagem de dois golos (Gerd Müller bisou), mas os visitados não conseguiram dar a volta. Ainda assim, destaca-se mais um golo de Jürgen Sparwasser, o avançado que em cinco meses marcou por três vezes a rivais do outro lado da fronteira.

 

O Magdeburgo caiu por terra mas o Bayern Munique continuou a reforçar o seu poderio europeu, conquistando o bicampeonato e lançando as raízes para conquistar o título pela terceira edição consecutiva em 1976. Nas duas vezes disputou a Supertaça Europeia, das duas vezes perdeu (vs. Dínamo Kiev em 1975 e vs. Anderlecht em 1976).

RPS 

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